São Paulo — Um homem que ajudou a resgatar as quatro vítimas do avião que explodiu em Ubatuba, no litoral de São Paulo, na última quinta-feira (9/1), afirmou que a retirada das crianças da aeronave só foi possível por causa da “força” da empresária Mireylle Fries, de 41 anos, que conseguiu avisar a ele, entre desmaios, que seus dois filhos e seu esposo estavam dentro do avião. O piloto Paulo Seghetto, de 55 anos, morreu.
O agricultor Gilmar Destefano, de 43 anos, foi um dos primeiros a chegar no local onde o avião explodiu, na Praia do Cruzeiro. Mesmo informado pelos guarda-vidas locais de que a aeronave poderia explodir e seria seguro manter-se à distância, Gilmar decidiu tentar resgatar possíveis passageiros após ver a mão do piloto Paulo Seghetto batendo na janela da cabine.
Ao Metrópoles, o agricultor descreveu o momento. “Quando eu olhei pela janelinha do piloto, que ele estava batendo a mão com vida, pedindo socorro… pensei ‘Deus vai me guardar’ e fui na fé mesmo”, revelou Gilmar Destefano.
Inicialmente, ele tentou quebrar as janelas do avião com uma pedra deixada pelo rastro de destruição do avião, que bateu em uma coluna de pedra antes de parar à beira-mar. Quando outros populares ali presentes viram que Gilmar não conseguia quebrar a janela e a aeronave não ameaçava explodir, eles se aproximaram para ajudar. “Foram os anjos que Deus separou na hora”, disse Gilmar.
Lino Ferreira Batista Junior, de 38 anos, foi um desses “anjos”. O serralheiro estava na orla da praia no momento do acidente e não se aproximou por alarde dos guarda-vidas, mas quando viu que tinha vida, decidiu se aproximar. “A gente não sabe o que era na hora. Se é homem, mulher, rico, pobre, criança. O que eu sabia era que tinha gente viva lá, daí fui ajudar”, contou à reportagem.
Juntos, com outros populares, conseguiram quebrar a janela traseira do avião com o auxílio de uma haste de cesta de basquete, também derrubada pelo avião. Foi nesse pequeno buraco, de mais ou menos 30 centímetros, que a cabeça de Mireylle apareceu, entre muita fumaça.
“Uma moça loira enfiou o pescoço para fora, começou a tossir e falou: ‘Tem criança’”, contou Gilmar sobre o momento em que viu Mireylle. Então, ele perguntou se ela conseguia pegar a criança, ao que a empresária respondeu que sim com a cabeça e, em questão de segundos, apareceu com Ayla, de 4 anos, para retirá-la da aeronave pelo vão.
“Tem mais alguém?”, Gilmar perguntou a ela após retirar a criança com sucesso. Mais uma vez, Mireylle entrou no avião, coberto por fumaça, para buscar por seu filho Lucca, de 6 anos. Mais de um minuto depois, ela o entregou desacordado ao agricultor.
“Ela estava desfalecendo, estava machucada. Não tinha ar para respirar, era muita fumaça”, conta Gilmar, que segurou o pescoço de Mireylle para fora do avião para que ela pudesse continuar respirando. “Era muita fumaça que saia de dentro do avião, então baixei a cabeça dela o mais baixo possível para ela poder pegar ar, soprei no nariz dela. Fiquei uns quatro minutos assim”, descreveu.
Nesse intervalo, ela criou força de novo, voltou a si e queria voltar para dentro do avião para procurar por seu esposo, Bruno Almeida Souza, de 45 anos. “É mole? Queria voltar para socorrer o esposo dela também. Foi uma coisa linda de ver”, se emocionou Gilmar. “A mãe foi uma valente.”
Quando os bombeiros finalmente conseguiram cortar as portas da aeronave, a fumaça se dissipou e Mireylle e Bruno conseguiram ser retirados e socorridos.
Piloto foi “herói”
Gilmar considera piloto o grande herói do resgate, já que decidiu se aproximar do avião a partir do gesto dele de socorro. “Foi através do gesto da mão dele que tivemos coragem de entrar no mar. Se não fosse o piloto, ninguém ia chegar perto do avião. O fogo era muito alto”, contou.
De acordo com Gilmar e Lino Júnior, as pessoas conseguiram segurar a mão do piloto Paulo Seghetto, que estava preso entre as ferragens. Como o avião caiu de ponta-cabeça e a água do mar entrou na cabine, parte de seu corpo ficou submerso. Ele chegou a ser retirado pelos bombeiros e foi reanimado, mas não resistiu.
Toda a família está internada no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Não há informações sobre o estado de saúde deles.
Mireylle Fries foi, inicialmente, socorrida na Santa Casa de Ubatuba, onde passou por cirurgia no mesmo dia do acidente. Então, foi transferida para o Hospital Regional do Litoral Norte, em Caraguatatuba, onde ficou internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em estado grave, até ser encaminhada ao Sírio-Libanês.
Bruno Souza e as crianças Ayla e Lucca também ficaram internados na UTI do hospital de Caraguatatuba, com quadro clínico considerado estável, antes de serem transferidos para a capital paulista.
Acidente
O avião de pequeno porte ultrapassou a pista de pouso e explodiu no mar na quinta-feira (9/1) na praia do Cruzeiro, em Ubatuba.
Ao todo, cinco pessoas estavam a bordo do avião, um Cessna, modelo Citation 525, de matrícula PR-GFS.
O casal e as crianças são familiares do produtor rural Nelvo Fries, de acordo com informações de integrantes da empresa dele, a Agrícola Fries. O avião decolou do Aeroporto Municipal de Mineiros, em Goiás.
Outras três pessoas, que estavam no solo, foram atingidas. Segundo a Prefeitura de Ubatuba, uma mulher de 59 anos passava pelo local no momento do acidente, torceu o pé e machucou o joelho. Ela foi socorrida e o quadro é estável.
O Ministério Público de São Paulo (MPSP) e o Centro de Investigação e Prevenção de Acidente Aeronáuticos (Cenipa) apuram as causas do acidente aéreo.
O que se sabe até agora:
- Um avião de pequeno porte explodiu em uma praia de Ubatuba, no litoral de São Paulo, na manhã desta quinta-feira (9/1);
- A aeronave tentou pousar no aeroporto da cidade, mas ultrapassou a pista e explodiu nas areias da praia do Cruzeiro;
- Ubatuba enfrentava más condições de tempo no momento da queda;
- Estavam dentro do avião: três adultos e duas crianças. O piloto, identificado como Paulo Seghetto, morreu no acidente;
- Após a tentativa de pouso, o veículo ultrapassou a pista e três pedestres se feriram;
- A aeronave saiu do Aeroporto Municipal de Mineiros, em Goiás, e pertencia à família do produtor rural Nelvo Fries, conforme indicam os dados do Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB) da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac);
- Entre os ocupantes da aeronave, estavam a empresária Mireylle Fries, que é sócia da aeronave, o marido dela e dois filhos;
- O piloto Paulo Seghetto, que morreu, já foi copiloto na VoePass, antiga Passaredo, empresa que sofreu a 5ª maior tragédia aérea do país.