Tancredo Neves, mineiro de São João del-Rei, era capaz de tirar as meias sem tirar os sapatos. De tão hábil, aos 74 anos de idade elegeu-se presidente da República em janeiro de 1985. Sucedeu ao general João Baptista de Oliveira Figueiredo, o último mandatário de uma ditadura militar que durou tristes 21 anos.
“Temos que fazer a transição com os militares, e não contra eles”, dizia Tancredo. E foi por isso que ele escondeu de todo mundo seu precário estado de saúde. Deveria tomar posse no dia 15 de março. Na véspera, foi operado às pressas em Brasília. Reoperado mais 6 vezes, morreu em São Paulo no dia 21 abril, há 40 anos exatos.
À época, eu chefiava a redação da sucursal do Jornal do Brasil. Na noite do dia 13, jantava no restaurante Florentino, na 402-Sul, quando o maitre me avisou que havia uma ligação para mim no balcão. Do outro lado da linha, o jornalista Marcelo Pontes, editor de política do jornal no Rio de Janeiro, me disse:
– Tancredo não tomará posse. Vai ser operado a qualquer momento. Corra atrás dessa notícia. Vamos atrasar o fechamento do jornal.
– Mas o que ele tem? – perguntei surpreso.
– Diverticulite de Meckel – respondeu Pontes.
– Quem disse isso?
– Doutor Nascimento Brito. Ouviu de um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Manuel Francisco do Nascimento Brito era um dos donos e o principal diretor do Jornal do Brasil. Eu nunca ouvira falar em Diverticulite de Meckel. Anotei o nome da doença em uma comanda do restaurante que guardo até hoje e saí para checar a notícia. Pelo menos no Florentino, ninguém sabia de nada.
No restaurante Piantella, também lotado, encontrei o deputado Fernando Lyra (PMDB-PE), futuro ministro da Justiça. Sua reação foi de descrença. “Tem nada disso, que absurdo”, comentou. Mas a meu pedido, ele telefonou para Francisco Dornelles, sobrinho de Tancredo, futuro ministro da Fazenda. Dornelles desmentiu.
O jornal foi impresso sem a notícia. Ela só se confirmou às 20h do dia seguinte quando me ligou Aluízio Alves, o futuro ministro da Administração: “Tancredo está sendo levado para o Hospital de Base.” Às primeiras horas do dia 15, concluída a operação, os médicos anunciaram sua causa: Diverticulite de Meckel.
Que quer dizer: uma anomalia congênita comum do intestino delgado. A diverticulite pode ocorrer devido à obstrução, inflamação ou infecção do divertículo, e pode apresentar sintomas como dor abdominal, vômitos e febre. O tratamento geralmente envolve ressecção cirúrgica do divertículo afetado.
Esse foi o furo que não demos (Tancredo será operado).
Mas na tarde do dia 15, Vanda Célia, repórter do Jornal do Brasil, soube pelo senador Mário Maia (PMDB-AC) que os médicos haviam extraído de Tancredo um tumor benigno. Maia era médico, amigo de Tancredo e assistira à operação. O diagnóstico de diverticulite foi a desculpa oficial para não assombrar o país.
No dia 16, o Jornal do Brasil publicou a reportagem de Vanda que contava a operação passo a passo e falava do tumor encontrado. Mas, àquela altura, a confusão no país era tão grande, e também entre os jornalistas, que ninguém se deu conta da importância da informação. Ela saiu sem destaque. E logo foi esquecida.
Esse foi o furo que demos sem perceber. E que somente no dia 21 de março virou manchete de capa do jornal Folha de S. Paulo.