O papel dos influenciadores e a epidemia das apostas on-line (BET)

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Nos últimos anos, as apostas on-line, popularizadas no Brasil pelo termo BET, deixaram de ser uma atividade marginal e passaram a ocupar o centro das telas, dos discursos e das práticas de consumo de milhares de brasileiros. Esse movimento não aconteceu por acaso. Foi impulsionado por campanhas milionárias e pelo poder de persuasão de artistas e celebridades que, em troca de contratos milionários, emprestaram suas imagens e vozes para normalizar e glamourizar o ato de apostar. Mas, em meio ao brilho dessas parcerias, um dado alarmante emerge: vidas estão sendo destruídas. A promessa de lucro fácil tem se traduzido em dívidas impagáveis, dependência emocional e até tragédias irreversíveis.

Quando falamos de influenciadores, é preciso questionar: qual é o real impacto de sua influência? Até onde vai a responsabilidade de quem promove uma atividade com tamanho potencial destrutivo? Esses questionamentos não são apenas necessários; são urgentes.

A lógica das apostas on-line é sedutora. Você assiste ao vídeo de um ator, cantor, apresentador ou jogador famoso que, com uma leveza quase cínica, diz ter faturado um “dinheirinho fácil” enquanto usava seu celular. Os números impressionam: prêmios de milhões de reais são exibidos, acompanhados de expressões de alegria e frases que parecem uma receita infalível. O público, hipnotizado, acredita na ilusão de que apostar é tão simples quanto lucrativo. Mas a verdade é outra. Estudos mostram que a grande maioria das pessoas que apostam regularmente acaba perdendo mais dinheiro do que ganha. Isso não é um erro do sistema, mas o próprio funcionamento do modelo de negócios das bets: as empresas lucram à medida que as pessoas perdem. E, para manter essa engrenagem ativa, é essencial criar um fluxo constante de novos apostadores. É aí que entram os influenciadores.

Ao emprestarem suas imagens para campanhas de bets, os artistas validam socialmente a prática. Mais do que isso, eles a colocam no patamar de comportamento desejável. Quem os segue – muitas vezes jovens impressionáveis – acredita que se trata de uma atividade segura, inofensiva, e até mesmo um atalho para a riqueza. Essa normalização é o que transforma as apostas on-line em uma epidemia de saúde pública, pois poucos falam sobre as consequências devastadoras para quem se envolve sem preparo emocional ou financeiro.

O vício em apostas é real. Muitas vezes negligenciado por parecer menos visível que o alcoolismo ou a dependência química, ele corrói vidas de forma insidiosa. Pessoas começam apostando pequenas quantias, movidas pela ideia de que “um dia a sorte vai chegar”. Mas a sorte é enganosa, e as perdas acumulam-se. Para tentar recuperar o que foi perdido, apostam mais – um ciclo vicioso que resulta em dívidas gigantescas, colapsos familiares e, em casos extremos, suicídios.

No Brasil, onde a desigualdade social é gritante, o impacto das apostas on-line é ainda mais perverso. Para quem já vive com poucos recursos, perder o salário de um mês ou o auxílio emergencial pode significar a incapacidade de pagar contas básicas ou de sustentar a família. E a vergonha que acompanha a ruína financeira impede muitos de pedirem ajuda. É um problema individual que se torna coletivo, mas ainda é tratado com negligência.

A responsabilidade dos influenciadores

O termo influenciador carrega consigo uma responsabilidade implícita: influenciar decisões, comportamentos e valores. No entanto, esse papel no Brasil tem, em muitos casos, se reduzido à simples busca por contratos publicitários lucrativos, sem um olhar crítico sobre o impacto social das marcas e práticas que promovem. É um exercício de poder sem ética.

A questão não é apenas sobre o que os influenciadores fazem, mas sobre o que eles deixam de fazer. É raro ver uma celebridade, depois de promover uma casa de apostas, falando sobre educação financeira, alertando sobre os riscos do endividamento ou incentivando o público a buscar ajuda em caso de vício. Há um silêncio cúmplice que legitima o problema enquanto mantém os lucros intocados. A figura do influenciador é, por definição, um modelo aspiracional. Seguir uma pessoa famosa implica confiar em seu julgamento, tomar suas escolhas como referência. Portanto, ser um influenciador responsável significa reconhecer que sua imagem tem poder e que esse poder vem com um dever ético. É possível promover produtos e serviços sem contribuir para a destruição da saúde mental e financeira das pessoas? Certamente. Mas isso exige critérios.

Celebridades e artistas precisam entender que não se trata apenas de “fazer o seu trabalho”. Quando optam por associar suas marcas pessoais a empresas de betting, estão colocando seu carimbo de aprovação em um comportamento de risco. Ignorar as consequências é um ato de irresponsabilidade moral.

Como sociedade, precisamos encarar o problema das apostas online como uma questão de saúde pública. Campanhas educativas, regulamentações mais rígidas para a publicidade de apostas e assistência para pessoas endividadas ou viciadas são medidas urgentes. Mas, além disso, é necessário cobrar coerência ética de nossos influenciadores. Precisamos de figuras públicas que tenham coragem de dizer “não” a contratos que comprometem a saúde coletiva. Precisamos, sobretudo, de lideranças comprometidas com o bem-estar da população, e não apenas com números em suas contas bancárias.

No final das contas, a pergunta que fica é: quanto vale a vida de quem segue? Para muitos influenciadores, parece valer menos que um contrato publicitário. Mas é nossa responsabilidade, como público e sociedade, reverter essa lógica antes que mais vidas sejam destruídas.