São Paulo — Quando o muro de um condomínio cedeu em meio ao temporal dessa sexta-feira (24/1) na Rua Romeu Perrotti, na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo, o volume de água foi tão grande que pelo menos cinco carros foram arrastados (veja vídeo abaixo). Um deles atravessou o portão de uma casa e parou dentro do hall de entrada. Naquele momento, a água chegou no nível do pescoço da técnica em administração Daniela Alexandre Policarpo (na foto em destaque), de 23 anos, que teve de quebrar o telhado de uma casa para se salvar.
Daniela estava levando itens de sua residência, já inundada pela chuva, para a de um amigo, quando se deparou com a corrente d’água em sua direção. “Veio tanta água que era como se fosse um mar, e veio uma onda por cima de mim. Eu fiquei em pânico. A água começou a entrar dentro da casa dele, e eu só conseguia gritar que não sabia nadar”, contou ao Metrópoles.
O amigo, chamado Claus Pita, de 29 anos, conta que quando a água entrou na casa dele, ele só conseguiu fazer um vídeo e gritar por socorro. “Naquele momento, eu não vi mais vida. Não vi mais”, revelou.
Veja:
“Ele já estava se despedindo de mim, ele já estava dando tchau. E eu não estava entendendo o que estava acontecendo”, disse Daniela. A jovem fugiu para os fundos da casa, na área de serviço, quebrou o telhado e subiu em cima de uma caixa d’água. Ao mesmo tempo, Claus subiu o muro de seu vizinho e ficou no telhado da casa. “Eu grudei tanto na porta, e tinha que nadar pra me segurar no muro. Eu entrei em choque”, disse o dono de um salão de beleza.
“Eu gritava pedindo socorro de lá, e ele gritava pedindo socorro daqui”, conta Daniela, que foi resgatada por vizinhos da rua de trás, que a estenderam uma corda e uma escada. Claus também foi resgatado de onde estava, e ainda salvou os seus dois gatos, que ficaram ilhados no alto da casa no momento que a enchente a invadiu.
Veja o momento em que o muro cedeu:
“Perdemos tudo”
A casa de Daniela foi completamente destruída — só ficou a estrutura. Dos móveis e eletrodomésticos, não deu para salvar nada. Na tarde deste sábado (25/1), ela e vizinhos faziam uma força tarefa para retirar os destroços, enlameados, que ali ainda estavam. A jovem mora com a mãe de 64 anos, que felizmente não estava em casa no momento da tragédia.
Os próximos passos ainda são incertos. “Agora é sentar e chorar. Aliás, nem dá para sentar, nem dá para chorar, porque a gente sabe como o Brasil é, a gente sabe como o nosso governo é, como as leis funcionam”, desabafou. “E eu me vejo impotente: mulher, jovem, preta, pobre. Eu vou fazer o que?”
O sofá, a cama e os móveis de Claus foram arrastados pela chuva. Na cozinha, havia ainda uma geladeira e uma máquina de lavar roupas – ambas estragadas. Um armário de canto ainda tinha livros, todos com lama.
Na área dos fundos, onde Daniela quebrou o telhado para se salvar, o cabelereiro fazia estoque de produtos de beleza. Ele estima que perdeu cerca de R$ 25 mil em produtos depois da chuva. Ele mora na casa de aluguel, e afirma que não se vê mais morando ali.
Outra moradora gravemente afetada foi Sonia Maria Policarpo, de 63 anos. Ela mora em frente ao muro que desabou, e os carros levados pelo volume d’água corrente arrancaram o seu portão. Um desses veículos, que deu perda total, era da sua irmã, e não tinha seguro. Tudo da sala de estar e da cozinha foi perdido. Mas a vida, não. Os quatro moradores da casa, de dois andares, subiram para se salvar.
“Estamos dando graças a Deus que estamos todos vivos, os vizinhos também. E agora a gente precisa de doações”, disse a aposentada, que perdeu o fogão, a geladeira, o forno, o sofá e mais móveis da sala de estar. Além disso, todos os mantimentos foram levados pela enchente.
A reportagem flagrou assistentes sociais da Prefeitura de São Paulo atuando no local da tragédia, além de equipes da Defesa Civil, da coleta de lixo e da concessionária Enel. Mais informações foram requisitadas à administração municipal, mas não houve retorno.
A chuva
A cidade de São Paulo registrou o terceiro maior volume de chuva dos últimos 64 anos nessa sexta-feira (24/1), segundo dados da estação do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) em Mirante de Santana, na zona norte da capital. Ou seja, o temporal dessa sexta é o terceiro maior desde o início da série histórica, em 1961.
O artista plástico Rodolpho Tamanini Netto, 73 anos, ficou preso em casa e morreu afogado durante o temporal na na Rua Belmiro Braga, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. O corpo dele foi encontrado somente neste sábado (25/1), nos fundos da casa onde vivia.
A Defesa Civil do Estado ainda ressalta que, dos 125,4 mm registrados nessa sexta, o acumulado de 82 mm entre 15h e 16h foi o maior volume computado em apenas 1 hora desde 25 de julho de 2006.
Para estabelecer ainda mais um recorde, num intervalo de três horas, choveu quase metade do previsto para todo o mês de janeiro. Dos 257,3 mm de chuva esperados para o mês, 125 mm (48,5%) foram registrados nessa sexta.
A cidade foi castigada por alagamentos, desabamentos, desespero e falta de energia. Pela primeira vez, a Defesa Civil emitiu um alerta severo para todos os celulares da região: “Chuva forte se espalhando pela capital paulista com rajadas de vento e risco de alagamento. Mantenha-se em local seguro”, dizia o comunicado.