MP paulista apura “rachadinha” em shows acima do preço em Campinas

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A investigação do Ministério Público de São Paulo (MPSP) sobre shows acima do preço em Campinas (SP) indica que uma das suspeitas dos promotores é de um esquema de rachadinha envolvendo vereadores e artistas.

Como mostrou a coluna, o MP paulista investiga o superfaturamento de shows contratados pela prefeitura de Campinas com dinheiro proveniente de emendas destinadas pelos vereadores.

No último dia 9 de abril, a promotora Cristiane Corrêa de Souza Hillal ouviu a secretária de Cultura do município, Alexandra Caprioli.

Além de abordar como se dava os repasses das emendas e a escolha dos artistas contratados pela Prefeitura, a promotora indagou a secretária sobre um suposto esquema de rachadinha, “acertos ilícitos entre vereadores e artistas”, na contratação dos cantores.

“Sobre as rachadinhas (acertos ilícitos entre vereadores e artistas), disse que o processo interno da Secretaria é um inibidor, porém não pode afirmar ser uma garantia de obstar qualquer prática ilícita que extrapole a competência da Secretaria. Disse que está sempre procurando implementar novos processos e exigências para aprimorar o controle. Explicou que irá entrar no ar o portal da transparência das emendas”, diz trecho de um documento produzido pelo MP sobre o depoimento da secretária.

A investigação do Ministério Público teve início após uma denúncia sobre o uso das emendas dos vereadores para custear shows acima do preço.

Segundo a denúncia, por não precisar de licitação, a contratação de shows havia inflado os repasses de emendas por vereadores para a secretaria de Cultura de Campinas.

Com base nas informações, o MP-SP passou a apurar o caso e mapeou os shows contratados pela cidade de Campinas com o uso de emenda dos vereadores.

A área técnica do MP-SP então encontrou ao menos seis casos em que os shows contratados possuíam um valor acima do praticada em outras cidades paulistas.


Leia abaixo a relação dos shows sob suspeita, segundo o MPSP

  • Cleiton e Camargo (Conectshows Promoções e Eventos Ltda) – R$ 95 mil – possível sobrepreço de 78% – bancado com emenda de Marcelo da Farmácia (ex-vereador)
  • Alex e Yvan (J.P.R Produçoes e Eventos LTDA)  – R$ 70 mil – possível sobrepreço de 66% –  bancado com emenda de Marcelo da Farmácia (PSB)
  • Althair e Alexandre (BR Brasil Eventos Shows) – R$ 95 mil – possível sobrepreço de 43% – bancado com emenda de Edson Ribeiro (União Brasil)
  • Frank Aguiar (Luma P C Aguiar Lacerda Produção) – R$ 80 mil –  possível  sobrepreço de 60% – bancado com emenda de Arnaldo Salvetti (MDB)
  • Marcos Paulo e Marcelo (Portal do Eventos) – R$ 85 mil – possível  sobrepreço de 30% – bancado com emenda de Marcelo da Farmácia
  • Negritude Junior (Roneia Forte Correa) – R$ 69 mil – possível sobrepreço de 65% – bancado com emenda de Nelson Hossri (PSD) e Marcelo da Farmácia

Após a abertura da investigação, o Ministério Público encaminhou à Prefeitura de Campinas uma recomendação para suspender a execução de emendas impositivas destinadas à contratação sem licitação de eventos e shows que superassem R$ 100 mil.

Segundo o MP, o objetivo era “permitir o aprofundamento da apuração de eventuais irregularidades na destinação de tais emendas”.

A partir do alerta feito pela denúncia anônima, o MP passou a apurar as irregularidades na contratação dos shows.

O setor técnico do MP, após analisar as contratações, apontou para um suposto sobrepreço em alguns deles.

“Conforme discriminado na fundamentação, este setor localizou alguns pactos realizados pelo município de Campina com preços, em tese, incompatíveis com contratações realizadas à época por outros municípios”, concluiu o MP.

Com base no relatório da área técnica, a promotora Cristiane Corrêa de Souza Hillal determinou a continuidade das investigações com relação às “empresas apontadas como praticantes de preços incompatíveis”.

Artistas com shows sob suspeita do MPSP em Campinas (SP)
Artistas com shows sob suspeita do MPSP em Campinas (SP)

Defesa

Questionados pela coluna, o vereador Edison Ribeiro respondeu por meio de seu filho e porta-voz, André Ribeiro. Segundo André, a ideia de fazer um show de Althair e Alexandre veio por meio de uma enquete realizada com a população.

André afirma que, ao enviar a emenda, foi sugerido à prefeitura a contratação da dupla, mas que coube à Secretaria os trâmites burocráticos da contratação e o contato com a empresa, que também ficou responsável pela apresentação de notas e valores do show.

“O vereador destina o valor da emenda para cultura […] Eles [as empresas] mandam toda a documentação para a Secretaria de Cultura. A Secretaria de Cultura avalia o valor da menor nota”, afirmou à coluna.

“É o vereador que paga? É o vereador que vê toda a documentação? É o vereador que vai lá no escritório [da empresa]? Não é”, disse.

Quanto aos questionamentos sobre “rachadinha” feitos à Secretaria de Cultura, André afirma que “isso não existe” e que não houve a prática de desvio de dinheiro por seu pai, o vereador Edison Ribeiro.

Nelson Hossri diz que os vereadores, ouvindo a comunidade, indicam possíveis tipos de música, mas que a Secretaria de Cultura é a responsável pelos pagamentos, contratação, análise de documentos, verificação de preços de mercado e tipo de contratação.

Ele também diz que não sabia que o preço pago pelo show do Negritude Júnior estaria acima do preço praticado no mercado.

“Se ela contratou errado, se superfaturou, qualquer coisa, é a Prefeitura, não é o vereador. Eu não tenho como mexer com esse dinheiro”, afirmou.

Arnaldo Salvetti, cuja emenda ajudou a bancar o show de Frank Aguiar, também disse à coluna que a contratação é feita via Secretaria de Cultura, e que a prerrogativa do vereador é apenas indicar a emenda.

“A Cultura tem um critério para a contratação de artistas e é ela que faz […] Eu só indiquei a verba impositiva para ser pago o cachê do artista. Não faço contratação, não faço nada”, disse.

Segundo ele, a indicação veio a partir da comemoração do “Dia do Cavaleiro”, cujo pedido veio do Clube dos Cavaleiros de Campinas.

“Inclusive essa data é oficial e o clube me pediu se eu poderia fazer a doação da emenda impositiva para a contratação do artista. Quem fez o pedido foi o clube, eu não pedi artista nenhum”, disse.

Salvetti também diz que “desconhece” qualquer prática de rachadinha. “Não faço e nunca participei”.

O vereador Marcelo da Farmácia, embora não tenha respondido aos contatos da coluna, afirmou nos autos do processo que as emendas são um dispositivo previsto em lei e suas indicações ocorreram dentro do previsto, e, portanto, não houve qualquer irregularidade nas indicações.

Ele também afirma que, além da conformidade das emendas, a responsável por cumprir as emendas são as secretarias do município, a quem cabe “iniciar o procedimento de contratação, seja licitação, pregão, tomada de preços, diálogo competitivo, ou qualquer outro que a lei determine, não havendo qualquer ingerência do Poder Legislativo Municipal neste processo”.

A Prefeitura, por outro lado, diz que os processos de contratação por meio de emendas impositivas foram iniciados com as indicações dos vereadores autores das emendas parlamentares, “cabendo à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo a análise da documentação e a formalização do processo administrativo”.

“A Prefeitura não define os valores dos cachês. O valor a ser pago é estabelecido com base em comprovações de preço praticado nos últimos 12 meses, e o preço final contratado é sempre o menor valor apresentado nesse conjunto”, afirmou em nota.

A coluna também entrou em contato com as empresas agenciadoras.

A Conectshows afirmou que todos os show públicos são realizados através de inexigibilidade de licitação, obedecendo sempre os requisitos estabelecidos em Lei e, para isso, são enviadas notas fiscais para comprovação de valor.

Quanto à precificação do show, a empresa diz que foram levados em conta  a logística  do transporte dos artistas, data, responsabilidades e até “o interesse em realizar shows em certas regiões e participar de certos eventos que para o artista é importante fazerem parte”. Ainda, diz que não existe uma” tabela de preços a ser seguido”.

“O simples fato de ter preços diferentes em datas diferentes não pode ser enquadrado em sobrepreço, ademais, para classificar ‘sobrepreço’, teríamos que ter situações iguais, o que é impossível no setor artístico”, disse.

A Portal dos Eventos afirmou que desconhece o vereador Marcelo da Farmácia, e que costurou a contratação de Marco Paulo e Marcelo por meio da Secretaria de Cultura, depois do envio de diversos documentos referentes aos preços cobrados.

Ainda, disse que o valor do contrato em Campinas foi “mais barato” do que o preço cobrado normalmente.

“Nós temos que analisar o contrato em cima das nossas viagens. Por exemplo, se eu for fazer um show no norte de Minas, até chegar em Campinas eu vou ter mil km. Toda a logística fica mais cara”, afirmou.

Já a Luma P C Aguiar Lacerda Produção, responsável pelo show de Frank Aguiar, afirmou que a contratação foi realizada diretamente com a Secretaria de Cultura de Campinas, conforme editais e processos estabelecidos, que incluem apresentação de propostas, análise de preços e avaliação de currículos artísticos.

“A empresa Luma P C Aguiar Lacerda Produção seguiu o processo formal estabelecido pela Secretaria de Cultura, sem contato direto com o vereador para definição do show”, disse.

Quanto ao preço cobrado pelo show, a Luma afirmou que foi definido com base em sua  política de precificação, considerando custos de produção, cachê do artista e outros fatores relevantes.

“O valor [de R$ 80 mil] refletiu as especificidades do show, incluindo produção, deslocamento do artista e equipe, além de outros custos associados”, concluiu.

A J.P.R Produções, responsável pelo show de Alex e Yvan, disse que tem “todos os documentos que compravam e justificam os valores praticados em todo o Brasil” e que estão “tranquilos quanto à investigação”.

A BR Brasil Eventos afirmou que irá se manifestar nos autos do processo.

A coluna não obteve contato com a empresa Roneia Forte Correa, responsável pelo show do Negritude Júnior.