A possibilidade de reabertura da investigação sobre a morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek, que morreu em uma batida de carro em agosto de 1976, reacende as esperanças de quem manteve contato próximo com ele. Uma dessas pessoas é Serafim Melo Jardim, hoje com 90 anos de idade, que preside o Museu Casa de Juscelino, em Diamantina (MG).
Amigo e, ao mesmo tempo, uma espécie de assistente de JK nos anos anteriores ao acidente, ele diz ter “certeza absoluta de que o presidente foi assassinado”. Segundo ele, a convicção se baseia nos documentos relacionados ao caso e no contexto da época.
Monitorado e perseguido pela ditadura, da qual era visto como opositor, Juscelino perdeu o mandato de senador e teve os direitos políticos cassados, por ocasião do golpe militar em 1964, chegando a se autoexilar no exterior. Em 22 de agosto de 1976, o Opala que o levava, conduzido pelo motorista Geraldo Ribeiro, bateu em um caminhão na rodovia Presidente Dutra, entre São Paulo e Rio de Janeiro.
O caso levanta suspeitas até hoje de que uma ação do regime militar teria desencadeado o acidente. Após nova provocação e, diante das divergência dos relatórios produzidos por comissões da verdade que apuraram o ocorrido, nos últimos anos, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) decidirá em reunião, no próximo mês, se reabrirá ou não a investigação.
“Essa reabertura de agora vai provar. Sempre lutei e estou lutando pela verdade. Não é possível. Os documentos que tenho são impressionantes. Agora, chegou o momento em que vamos buscar a verdade”, afirmou, Serafim em entrevista ao Metrópoles.

Luta para reabrir o caso
Desde os anos 1990, o amigo de JK luta pelo aprofundamento do caso. Em 1996, quando a morte do ex-presidente completou 20 anos e o processo estava a ponto de preescrever, Serafim chegou a enviar uma carta ao então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), solicitando a reabertura da investigação.
O governo federal respondeu, à época, que não teria condições de atender ao pedido, pois não havia fato novo que o justificasse. Diante da negativa, Serafim e um perito amigo, da Polícia Civil de Minas Gerais, Paulo Castelo Branco, foram até Resende (RJ), cidade onde o acidente ocorreu, e pediram para ter acesso ao processo. “Chegamos à conclusão de que o processo era uma farsa, cheio de falhas e erros”, diz ele.
A saga resultou na reabertura do caso em 1996, inclusive com a exumação do corpo do motorista Geraldo Ribeiro, com o intuito de verificar se ele havia sido ferido ou vítima de algum disparo que explicasse o descontrole repentino da condução do veículo que levava JK. Essa era uma das suspeitas que persistiam, à época.
O laudo cadavérico identificou um fragmento metálico no crânio do cadáver, mas, após testes e análises, foi descartada a hipótese de que se tratava de munição ou bala. Na verdade, a perícia concluiu que seria parte de um prego ou de uma tacha do próprio caixão, onde foi colocado o corpo do motorista, que se incorporou ao cadáver no decorrer dos anos.

Carta ameaçadora
A investida de Serafim para reabrir a investigação do caso, no entanto, não agradou a todos. Segundo ele, em relato ao Metrópoles, houve reação imediata de um suposto grupo de militares, que enviou uma carta em tom ameaçador:
“Quando reabri o caso em 1996, recebi uma carta de violência total. Nessa carta, eles [militares] acabaram comigo, e terminam dizendo que eu não deveria ter nascido, mas já que nasci, o que não é culpa deles, que ficasse calado. Ela foi assinada por 52 oficiais do Exército e da Polícia Civil, de um chamado Grupo Inconfidência. Recebi também alguns telefonemas, mas sempre lidei de forma tranquila”, relata ele.
Tratado por JK em dedicatória especial como o “amigo de todas as horas, boas e difíceis”, Serafim teve o último contato com o ex-presidente no dia 9 de setembro de 1976, semanas antes de ele morrer. Juscelino havia ido até Belo Horizonte (MG) para comparecer ao enterro de um amigo próximo. O contexto daqueles dias, no entanto, é algo que reforça as suspeitas em torno do acidente ocorrido dias depois.
“Querem me matar”, dizia JK
Serafim se recorda que no dia 7 de agosto de 1976 ele recebeu o telefonema de um colunista mineiro perguntando se ele tinha notícias sobre JK, pois circulava na mídia nacional a informação de que o ex-presidente havia morrido em um acidente de carro na estrada entre Rio e São Paulo. A informação falsa se espalhou rapidamente e desesperou os mais próximos, mas acabou desmentida um dia depois.
Juscelino estava em sua fazenda em Luziânia (GO), no Entorno do Distrito Federal. A similaridade da informação repercutida 15 dias antes com o que acabou ocorrendo em 22 de agosto do mesmo ano, dia do acidente, é algo que surpreende até hoje. “Esse boato para mim foi um teste psicossocial para avaliar como o país reagiria à morte de JK”, acredita Serafim.
Os últimos pedidos do presidente
JK costumava brincar, entre os mais próximos, que era um “vivo morto”, em clara demonstração de que sabia que era monitorado pelo regime militar. Em 9 de agosto de 1976, o ex-presidente pediu que Serafim almoçasse com ele na casa de uma sobrinha, na capital mineira, mas o amigo recusou o convite, alegando que não podia, pois havia outro compromisso.
Nesse momento, ocorreu o último contato entre os dois, e foi quando JK fez dois pedidos: “Ele me chamou em um canto e pediu dois favores: uma era para deixar uma carta no correio e o outro era comprar a casa [da infância] dele em Diamantina, que é a mesma casa onde funciona o museu hoje, e assim o fiz. Estou aqui até hoje. Já vai para 57 anos. Fiquei nove anos em vida com ele e sigo há 49, após a morte”, diz Serafim.