O valor destinado à Secretaria de Cultura da Prefeitura de Campinas (SP) por meio de emenda impositiva indicadas por vereadores aumentou 124% desde 2023, passando de R$ 8,6 milhões naquele ano para R$ 19,4 milhões em 2025.
De 2023 para 2024, o valor já havia saltado dos R$ 8,6 milhões para R$ 14,5 milhões.
Segundo a Câmara de Campinas, cada um dos parlamentares da Casa tem a sua disposição até 1,2% da receita corrente líquida do município para projetos específicos. Em 2024, por exemplo, esse percentual correspondeu a R$ 3,18 milhões por vereador. Ao todo, foram aprovadas 646 emendas impositivas.
Do total, pelo menos metade deve ser obrigatoriamente enviada para a área da saúde. O restante fica a cargo do vereador fazer as indicações. A definição das emendas ocorre no segundo semestre, quando o Executivo encaminha o Projeto de Lei Orçamentária. Para este ano, ainda não há previsão de quanto estará disponível para os vereadores.
O aumento dos repasses para Cultura foi concomitante com a contratação de shows acima do preço e sem licitação que estão na mira do Ministério Público paulista.
Como mostrou a coluna, o MP paulista investiga o superfaturamento de shows contratados pela prefeitura de Campinas com dinheiro proveniente de emendas destinadas pelos vereadores. Os promtores também miram se essas contratações abasteceram um esquema de rachadinha entre artistas e vereadores.
Ao menos seis shows no município estão sob suspeita do órgão depois da identificação de possível sobrepreço nos contratos. Segundo o MPSP, há indícios de sobrepreço nos contratos que variam de 30% a 78% acima dos valores praticados no mercado.
Os eventos foram custeados com emendas indicadas pelos vereadores Marcelo da Farmácia (PSB) (ex-vereador), Nelson Hossri (PSD), Edison Ribeiro (União Brasil) e Arnaldo Salvetti (MDB). Eles negam qualquer irregularidade.
As emendas dos parlamentares pagaram shows de artistas como Frank Aguiar, do grupo de pagode Negritude Júnior e cantores sertanejos que tocaram em Campinas nos últimos anos.
Marcelo da Farmácia, que ajudou a bancar pelo menos três desse shows, foi um exemplo do aumento no uso das emendas para a Cultura. Em 2023, o então vereador destinou R$ 400 mil para esse fim. Em 2025, o número quase quadruplicou, avançando para R$ 1,4 milhão do orçamento disponível.
Apesar de não ter sido reeleito para um novo mandato em 2024, o valor das emendas refletem as indicações do parlamentar antes de sua saída da Câmara Legislativa.
Outro parlamentar que passou a enviar mais recursosa para a cultura de Campinas desde 2023 foi Edison Ribeiro. Naquele ano, foram R$ 210 mil destinados por meio das emendas impositivas. Já em 2025, ele enviou R$ 1,1 milhão por meio do dispositivo. Ele afirma que o aumento se deu por conta da demanda da população por entretenimento.
Investigação do MPSP
A investigação do Ministério Público teve início depois do recebimento de uma denúncia anônima que tratava das emendas impositivas dos vereadores do município.
Um dos pontos levantados na denúncia é o incremento das verbas destinadas à pasta da Cultura por meio das emendas, especialmente voltadas ao custeio de shows, cuja contratação dos artistas pode ser feita sem licitação.
“Sem dúvida as funções do estado na promoção da cultura são legítimas e demandam recursos. Mas uma parcela de parlamentares demonstrou especial interesse em aplicar recursos especificamente na contratação de cachês por inexigibilidade. Não se trata de cachês de grupos locais, mas daqueles de alto valor, acima de R$ 100 mil reais”, dizia a denúncia.
Após a abertura da investigação, o Ministério Público encaminhou à Prefeitura de Campinas uma recomendação para suspender a execução de emendas impositivas destinadas à contratação sem licitação de eventos e shows com valor acima de R$ 100 mil.
Segundo o MP, o objetivo era “permitir o aprofundamento da apuração de eventuais irregularidades na destinação de tais emendas”.
A partir do alerta feito pela denúncia anônima, o MP passou a apurar as irregularidades na contratação dos shows.
O setor técnico do MP, após analisar as contratações, apontou para um suposto sobrepreço em algumas delas.
“Conforme discriminado na fundamentação, este setor localizou alguns pactos realizados pelo município de Campina com preços, em tese, incompatíveis com contratações realizadas à época por outros municípios”, concluiu o Caex.
Com base no relatório da área técnica, a promotora Cristiane Corrêa de Souza Hillal determinou a continuidade das investigações com relação às “empresas apontadas como praticantes de preços incompatíveis”.
O momento atual da apuração está dedicado à escuta da Secretaria de Cultura do município, bem como dos artistas mencionados.
A oitiva da Secretaria Municipal de Cultura foi realizada no último dia 9 de abril.

Defesa
Questionados pela coluna, alguns dos vereadores citados na reportagem afirmaram que não foram os responsáveis pela contratação dos respectivos artistas, citando que isso fica a cargo da Prefeitura de Campinas.
É o caso de Edison Ribeiro, que falou com a coluna por meio de seu filho e porta-voz, André Ribeiro. Segundo André, a ideia de fazer um show de Althair e Alexandre veio por meio de uma enquete realizada com a população.
André afirma que, ao enviar a emenda, foi sugerido à prefeitura a contratação da dupla, mas que coube à Secretaria os trâmites burocráticos da contratação e o contato com a empresa, que também ficou responsável pela apresentação de notas e valores do show.
“O vereador destina o valor da emenda para cultura […] Eles [as empresas] mandam toda a documentação para a Secretaria de Cultura. A Secretaria de Cultura avalia o valor da menor nota”, afirmou à coluna.
“É o vereador que paga? É o vereador que vê toda a documentação? É o vereador que vai lá no escritório [da empresa]? Não é”, disse.
Quanto ao aumento das emendas impositivas destinadas pelo pai ao longo dos últimos anos, André diz que é reflexo da demanda da população por entretenimento e envolvimento dos parlamentares.
“É entretenimento para a população. Agora na páscoa, quando você manda as emendas, muitas comunidades entram em contato com o vereador para ceder tenda, barraca, banheiro químico. Depois do pós-pandemia, a procura está sendo muito grande. Então, chega a época de festa Junina, a gente atende muitas comunidades, muitas quermesses, muitas igrejas”, disse.
Sobre os questionamentos sobre “rachadinha” feitos à Secretaria de Cultura, André afirma que “isso não existe” e que não houve a prática de desvio de dinheiro por seu pai, o vereador Edison Ribeiro.
Nelson Hossri diz que os vereadores, ouvindo a comunidade, indicam possíveis tipos de música, mas que a Secretaria de Cultura é a responsável pelos pagamentos, contratação, análise de documentos, verificação de preços de mercado e tipo de contratação.
Ele também diz que não sabia que o preço pago pelo show do Negritude Júnior estaria acima do preço praticado no mercado.
“Se ela contratou errado, se superfaturou, qualquer coisa, é a Prefeitura, não é o vereador. Eu não tenho como mexer com esse dinheiro”, afirmou.
Arnaldo Salvetti, cuja emenda ajudou a bancar o show de Frank Aguiar, também disse à coluna que a contratação é feita via Secretaria de Cultura, e que a prerrogativa do vereador é apenas indicar a emenda.
“A Cultura tem um critério para a contratação de artistas e é ela que faz […] Eu só indiquei a verba impositiva para ser pago o cachê do artista. Não faço contratação, não faço nada”, disse.
Segundo ele, a indicação veio a partir da comemoração do “Dia do Cavaleiro”, cujo pedido veio do Clube dos Cavaleiros de Campinas.
“Inclusive essa data é oficial e o clube me pediu se eu poderia fazer a doação da emenda impositiva para a contratação do artista. Quem fez o pedido foi o clube, eu não pedi artista nenhum”, disse.
Salvetti também diz que “desconhece” qualquer prática de rachadinha. “Não faço e nunca participei”.
O vereador Marcelo da Farmácia, embora não tenha respondido aos contatos da coluna, afirmou nos autos do processo que as emendas são um dispositivo previsto em lei e suas indicações ocorreram dentro do previsto, e, portanto, não houve qualquer irregularidade nas indicações.
Ele também afirma que, além da conformidade das emendas, a responsável por cumprir as emendas são as secretarias do município, a quem cabe “iniciar o procedimento de contratação, seja licitação, pregão, tomada de preços, diálogo competitivo, ou qualquer outro que a lei determine, não havendo qualquer ingerência do Poder Legislativo Municipal neste processo”.
A Prefeitura, por outro lado, diz que os processos de contratação por meio de emendas impositivas foram iniciados com as indicações dos vereadores autores das emendas parlamentares, “cabendo à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo a análise da documentação e a formalização do processo administrativo”.
“A Prefeitura não define os valores dos cachês. O valor a ser pago é estabelecido com base em comprovações de preço praticado nos últimos 12 meses, e o preço final contratado é sempre o menor valor apresentado nesse conjunto”, afirmou em nota.
A coluna também entrou em contato com as empresas agenciadoras.
A Conectshows afirmou que todos os show públicos são realizados através de inexigibilidade de licitação, obedecendo sempre os requisitos estabelecidos em Lei e, para isso, são enviadas notas fiscais para comprovação de valor.
Quanto à precificação do show, a empresa diz que foram levados em conta a logística do transporte dos artistas, data, responsabilidades e até “o interesse em realizar shows em certas regiões e participar de certos eventos que para o artista é importante fazerem parte”. Ainda, diz que não existe uma” tabela de preços a ser seguido”.
“O simples fato de ter preços diferentes em datas diferentes não pode ser enquadrado em sobrepreço, ademais, para classificar ‘sobrepreço’, teríamos que ter situações iguais, o que é impossível no setor artístico”, disse.
A Portal dos Eventos afirmou que desconhece o vereador Marcelo da Farmácia, e que costurou a contratação de Marco Paulo e Marcelo por meio da Secretaria de Cultura, depois do envio de diversos documentos referentes aos preços cobrados.
Ainda, disse que o valor do contrato em Campinas foi “mais barato” do que o preço cobrado normalmente.
“Nós temos que analisar o contrato em cima das nossas viagens. Por exemplo, se eu for fazer um show no norte de Minas, até chegar em Campinas eu vou ter mil km. Toda a logística fica mais cara”, afirmou.
Já a Luma P C Aguiar Lacerda Produção, responsável pelo show de Frank Aguiar, afirmou que a contratação foi realizada diretamente com a Secretaria de Cultura de Campinas, conforme editais e processos estabelecidos, que incluem apresentação de propostas, análise de preços e avaliação de currículos artísticos.
“A empresa Luma P C Aguiar Lacerda Produção seguiu o processo formal estabelecido pela Secretaria de Cultura, sem contato direto com o vereador para definição do show”, disse.
Quanto ao preço cobrado pelo show, a Luma afirmou que foi definido com base em sua política de precificação, considerando custos de produção, cachê do artista e outros fatores relevantes.
“O valor refletiu as especificidades do show, incluindo produção, deslocamento do artista e equipe, além de outros custos associados”, concluiu.
A J.P.R Produções, responsável pelo show de Alex e Yvan, disse que tem “todos os documentos que compravam e justificam os valores praticados em todo o Brasil” e que estão “tranquilos quanto à investigação”.
A BR Brasil Eventos afirmou que irá se manifestar nos autos do processo.
A coluna não obteve contato com a empresa Roneia Forte Correa.