São Paulo — Estudos, pesquisas, empréstimos de livros, rodas de conversas, debates, apresentações, exposições e até cinema no terraço. Ou, quem sabe, uma parada para respirar.
Todas essas atividades têm um espaço público em comum para acontecer, no centro da cidade de São Paulo, em um edifício que apresenta os seus mais de 1,3 milhão de títulos em variadas salas. A Biblioteca Mário de Andrade (BMA), a maior biblioteca pública da cidade e a segunda maior do país, completou 100 anos em fevereiro deste ano, atraindo cada vez mais públicos diversos.
Guilherme Galuppo Borba, o diretor da biblioteca carinhosamente cunhada “Mário”, divide o público visitante do espaço em duas grandes frentes: o da pesquisa e leitura, que visita com frequência a Sala Circulante — a mais popular da BMA, com 56 mil títulos disponíveis para empréstimos — e o da programação cultural, voltada para aqueles que buscam usufruir de serviços artísticos e culturais.
Embora a leitura e a pesquisa estejam a um toque de distância em qualquer superfície eletrônica na atualidade, ainda há aqueles que gostam de folhear. Neste ano, entre janeiro e março, foram realizados mais de 5 mil empréstimos na BMA, sendo o romance “Dois Irmãos”, de Milton Hatoum, o mais buscado, com 114 empréstimos.
De acordo com Guilherme Borba, o montante dessas pessoas ainda supera o número daqueles que apenas fazem consultas em livros que não são liberados para empréstimos, como nas salas São Paulo ou das Artes.
Mas ainda há um grupo subnotificado, que ajuda a explicar as mais de 530 pessoas que visitam a biblioteca diariamente (ver gráfico abaix0): o de pessoas que ocupam as salas para estudar a partir de seu próprio computador ou livros, trabalhar, fazer reuniões de grupo de estudo e outras atividades independentes — como, por exemplo, ouvir um podcast ou organizar as contas nas salas de convivência.
“Infelizmente, a biblioteca ainda não diferencia o público frequentador entre o leitor do seu próprio livro e o leitor do acervo interno. Essa é uma pergunta imprescindível para você poder fazer algum diagnóstico do status atual da biblioteca, em comparação à sua posição no passado e pensando no futuro, e para gente poder formar um público leitor”, admite o diretor.
Formado em geografia pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado e doutorado em urbanismo e estudos culturais pela mesma instituição, Borba assumiu a direção da biblioteca neste ano. “A gente está, no momento, pensando em como vamos melhorar a metodologia de coleta desses indicadores”, afirma.
Paloma da Rocha Maciel, por exemplo, é estudante de engenharia e frequenta a BMA todos os dias para estudar. Segundo a jovem de 21 anos, é mais fácil se concentrar em um espaço exclusivamente voltado ao estudo, rodeada de outras pessoas com o mesmo propósito. Lucas Rodrigues Cora, de 23 anos, é vestibulando e faz o mesmo uso do espaço há pouco tempo, depois de perceber que seria mais produtivo fora de casa, longe do barulho. Nenhum dos dois precisou pegar nenhum livro emprestado da biblioteca.
Caio Lago Rosa, estudante de ciências sociais, usa a Sala Circulante da biblioteca para ficar em dia com a matéria e é fã de livros físicos. “Com a materialidade no papel, a sua concentração é diferente. Pode ter muita coisa que não tem na internet aqui. Só de ver uma estante de livros, dá uma amplitude visível de quantos conteúdos e informações existem de tal assunto”, conta o jovem de 20 anos ao Metrópoles.
Para Borba, o papel social da biblioteca vem passando por mudanças porque a cidade de São Paulo também se transformou. “No passado, a Mário de Andrade prestava mais serviços de forma orgânica para pessoas mais instruídas, como estudantes e o grupo boêmio, intelectual da região central. Hoje em dia, ela é mais diversa sob o ponto de vista sociocultural e socioeconômico, com moradores de rua, imigrantes, pessoas em diferentes níveis de vulnerabilidade social, trabalhadores com diferentes níveis de poder aquisitivo e de capital cultural e social”, relata.
100 anos para trás
Fundada em 1925 como Biblioteca Municipal de São Paulo e inaugurada em 1926 na Rua 7 de Abril, a biblioteca contava com uma coleção inicial formada por obras que se encontravam em poder da Câmara Municipal de São Paulo, em cujo prédio a biblioteca funcionava. Com a ampliação do acervo, foi inaugurado, em 1942, o edifício que se conhece hoje, com entradas nas ruas da Consolação e São Luís.
Projetado pelo arquiteto francês Jacques Pilon, o prédio em estilo art déco consolidou a posição da biblioteca como um dos principais centros culturais da cidade. Mas foi apenas em 1960 que o modernista Mário de Andrade foi imortalizado no espaço. O nome foi uma homenagem ao poeta que, como diretor do Departamento de Cultura de São Paulo nos anos 1930, foi fundamental na formulação de políticas públicas voltadas à valorização da cultura brasileira.
Para estudiosos da época, o marco arquitetônico na praça Dom José Gaspar representou a concretização do plano de Mário de disponibilizar as conquistas do Modernismo e fazer da arte e da cultura um bem comum. Esse ainda é um objetivo para a biblioteca, de acordo com seu atual diretor.
“É um ano muito especial. A gente já fez algumas exposições com documentos históricos da própria biblioteca e ao mesmo tempo estamos focando no Festival Mário de Andrade, que é o momento desse grande festejo do centenário, para que a gente possa pensar nos 100 anos daqui para frente”, disse Guilherme Borba.
Criado em 2019, o Festival Mário de Andrade é um evento gratuito que celebra a literatura e o livro na biblioteca e em outros equipamentos culturais, como a Praça das Artes, também na região central da cidade.
100 anos para frente
Uma das apostas para o futuro da biblioteca, de acordo com seu diretor, é integrar o catálogo da BMA — e de toda a rede municipal de bibliotecas públicas — aos mecanismos de busca como o Google, facilitando o acesso da população aos livros disponíveis. Hoje, é preciso saber da existência da plataforma da Prefeitura para realizar a busca. A proposta é que, ao procurar um título on-line, o usuário veja também a opção de empréstimo em bibliotecas públicas, assim como já visualiza links de compra em livrarias.
Na mesma dinâmica de abraçar recursos tecnológicos, outra ideia é disponibilizar tablets em espaços comuns para que leitores possam pesquisas e/ou acessar assinaturas de jornais e revistas, por exemplo, em um reforço do que já existe na Hemeroteca, edifício localizado ao lado da BMA.
Uma terceira proposta é fazer parcerias com outros equipamentos públicos da cidade para realizar exposições e eventos em conjunto, com o intuito de atrair consumidores de cultura nichados, como os frequentadores do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) ou das várias unidades do Sesc (Serviço Social do Comércio) espalhadas pela cidade.
“A biblioteca tem muita vivacidade ainda. Se você passa um tempo aqui, de segunda a domingo, você vê uma mudança ao longo do período da manhã até a tarde. Você também vê pessoas de outros locais que não são da região central. Tem dança, teatro, leitura. Ela é muito viva.”
A Biblioteca Mário de Andrade fica aberta de segunda a sexta, das 9h às 21h, e finais de semana e feriados, das 9h às 18h. Alguns setores possuem horários específico de funcionamento, que podem ser consultados no site oficial da Prefeitura.
Para realizar o empréstimo de livros, basta fazer um cadastro com um documento original de identidade e comprovante de residência. Não é necessário morar em São Paulo. Não há limite de idade ou de escolaridade.