
A Câmara dos Deputados aprovou nesta semana o Projeto de Lei que altera regras de regularização fundiária em áreas de fronteira. A proposta, defendida por parlamentares da bancada ruralista, amplia o prazo para a regularização de imóveis rurais até 2030, incluindo propriedades com mais de 15 módulos fiscais — e permite registros em áreas sobrepostas a terras indígenas ainda não homologadas oficialmente. O texto aprovado cria uma brecha perigosa: mesmo que uma terra esteja em processo de demarcação, poderá ser ocupada e registrada como propriedade privada, desde que não haja um decreto presidencial concluindo a homologação. Essa mudança ignora um princípio constitucional: o de que as terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas pertencem a eles por direito originário, independentemente do reconhecimento formal pelo Estado.

A justificativa do projeto é conhecida: garantir segurança jurídica para milhões de brasileiros que vivem em áreas ainda sem título formal, especialmente na Amazônia Legal. A relatora, deputada Caroline de Toni (PL-SC), estima que cerca de 11 milhões de pessoas vivem em regiões de fronteira abrangidas pelo projeto. Mas, na prática, o texto favorece grandes produtores e pode legalizar ocupações irregulares, abrindo caminho para mais desmatamento, grilagem e conflitos fundiários. Dados do MapBiomas mostram que as terras indígenas são as áreas mais preservadas do país. Enquanto o desmatamento avança em unidades de conservação e propriedades privadas, essas terras funcionam como barreiras naturais contra a devastação. Ao enfraquecer a proteção desses territórios, o Brasil compromete seus próprios compromissos climáticos — justamente no ano em que o país vai sediar a COP30, em Belém.
A proposta ainda precisa passar pelo Senado, mas já há expectativa de judicialização no Supremo Tribunal Federal. O tema é sensível, envolve conflitos históricos e toca em pontos centrais da Constituição. Ao flexibilizar regras para atender interesses do agronegócio, o país caminha na contramão da sustentabilidade, dos direitos humanos e da imagem que pretende projetar no cenário internacional. Os povos originários são guardiões da biodiversidade e um modelo que avança sobre seus direitos em nome do lucro rápido e da expansão de fronteiras agrícolas, ameaça o futuro do meio ambiente.