21 de abril (por André Gustavo Stumpf)

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Na noite do dia 21 de abril de 1960 estava com um amigo na praça dos Três Poderes. Assisti, maravilhado, as festas da inauguração da nova capital do Brasil. Meu pai foi convidado para o baile de gala que foi realizado no Palácio do Planalto. Eu e um amigo carioca ficamos passeando pela imensa praça ouvindo o magnífico coral de não sei quantas centenas de vozes, os gritos entusiasmados dos candangos. Vi os fogos. Senti a alegria. A festa atingiu seu ápice quando o presidente Juscelino Kubitschek desceu a rampa, atravessou a rua e se jogou no meio da multidão. Foi um suceder de abraços, parabéns, cumprimento, apertos de mão. Uma senhora beijou-lhe os pés.

Esta imagem foi a minha introdução à ciência política. Brasileiro gosta de empreender, gosta de trabalhar, gosta de emprego. O presidente JK percebeu que o país vivia de costas para seu interior. E tratou de impulsionar a integração nacional. Os brasileiros descobriram o centro-oeste e o norte do país. Até então, viajar a Belém do Pará só era possível por navio ou avião. O Brasil dos anos sessenta era muito diferente do atual. Tínhamos Vinicius de Moraes, Tom Jobim, bossa nova, campeonato mundial de futebol, Garrincha e Pelé. O país era alegre e trabalhava para reduzir suas chagas. Era mais ingênuo, também.

Revi o presidente JK na redação da VEJA em 1975. Ele fez uma agradável visita à nossa redação em Brasília, dirigida pelo inesquecível Pompeu de Sousa. Conversou com cada um dos presentes chamando pelo nome e no final posou para fotografia com a turma. Ganhou o grupo com base na boa conversa. Político de excepcional qualidade. Fenômeno raro na história do país. Só voltei a revê-lo no enterro que saiu da Catedral e foi até o cemitério cercado por populares e admiradores. Entre eles, meu pai que na época tinha 60 anos. Ajudou a carregar o caixão por todo o percurso.

Os cinco anos em cinco, slogan daquele governo, é a síntese de uma obra de gigante focado e determinado. É preciso lembrar que o Fundo Monetário Internacional e o governo norte-americano eram contra a realização das metas de JK. Ele não deu bola para a oposição, nem para militares mau humorados e foi em frente. Seu nome entrou na história do Brasil pela coragem de mudar o país. Desde então, os políticos se acovardaram. Um presidente renunciou, tentando o golpe de estado. Outro foi deposto por militares, que ficaram mais de duas décadas no poder e devolveram o governo aos civis com imensa dívida externa. Foi difícil sair daquela situação falimentar.

Dois presidentes que sofreram impeachment e nada foi feito de substancial para o Brasil avançar. A Constituinte foi uma obra bonita e sofrida, culminância do trabalho de Tancredo Neves e seu grupo (no próximo dia 21 de abril completa-se 40 anos da morte de Tancredo). O presidente José Sarney tem participação expressiva neste processo. A partir daí o país passou a ser administrado pela ótica populista de um governo que lança programa atrás de programa para conceder vantagens ao trabalhador, mas não cria as condições necessária para a indústria prosperar. O brasileiro deixou de ser profissão esperança. Ele agora espera a benesse do governo. Há uma acomodação com a chamada renda média, que dispensa sonhos de futuro melhor. O país está estagnado nos discursos dos líderes trabalhistas.

Em tempos recentes surgiu no país e no mundo esta extrema direita que é contra tudo o que se chama moderno.  Ex-presidente, que está hospitalizado, não deu a menor atenção aos os vitimados pela COVID, não visitou hospitais, nem parentes enlutados e agora faz pose de sofredor em hospital. Pleiteia a anistia, esquecido que tramou contra as instituições e chegou a planejar assassinato de ministro do Supremo e dos presidente e vice-presidente da República. O equivalente a ele, nos Estados Unidos subverte as relações econômico-financeiras do mundo. Leva o planeta a um confronto muito perto de uma guerra real. Provoca os europeus. Ataca as melhores universidades norte-americanas e expulsa do país quem ele quer. É um autocrata explícito. Espanta que a democracia norte-americana não seja capaz de resistir a estes furiosos ataques aos seus conceitos fundamentais. E a sua própria economia.

É difícil comparar o Brasil de hoje com o de ontem. Há virtudes e defeitos. Perdemos a ingenuidade. Não temos mais boa música, nem futebol de categoria. Os poetas desapareceram. Os sonhadores também. Os políticos profissionais sumiram. Hoje os parlamentares têm valor porque pertencem a bancada da bala, dos evangélicos, dos agricultores ou de outro grupo qualquer. Alguns pretendem utilizar o mandato apenas para se proteger de eventual processo judicial. A política como exercício de poder para promover o bem público perdeu-se em algum momento no Brasil. O país está órfão de grandes líderes. Situação, aliás, que aflige o mundo neste momento.

 

André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)